China restringiu, e não bloqueou, exportação de metais de terras raras; entenda o que são e impacto 1y2728
MEDIDA IMPÕE EXIGÊNCIA DE LICENÇAS ESPECIAIS PARA QUE METAIS USADOS NA INDÚSTRIA DE ELETRÔNICAS E DE DEFESA SAIAM DO PAÍS ASIÁTICO l6a5d
A guerra comercial travada nos últimos dias entre China e Estados Unidos vem sendo tema de diversas postagens nas redes sociais. As exportações de metais e ímãs de terras raras, que têm a China como o maior produtor mundial, viraram o centro das atenções. Isso porque esses metais são fundamentais para a indústria de defesa e de tecnologia — responsáveis, por exemplo, pela produção de drones, robôs, automóveis e mísseis. k3t6g
Postagens que viralizaram nas redes sociais afirmam que a China bloqueou totalmente as exportações de metais de terras raras para países como os Estados Unidos, Japão e Alemanha. Mas não foi bem isso que aconteceu. Por enquanto, o que a China anunciou foram restrições na exportação desses produtos para todo o mundo, e não um bloqueio total e imediato para determinados países.
Segundo especialistas, trata-se de uma barreira não-tarifária, uma forma de a China proteger seu mercado. O impacto, a curto prazo, pode não ser tão significativo, já que existem reservas desses materiais. Outros países, inclusive o Brasil, também produzem metais de terras raras. Mas, dentro do cenário atual, o impacto para os Estados Unidos tende mesmo a ser considerável, por conta da dependência do mercado chinês.
Em entrevistas coletivas recentes, representantes do Ministério do Comércio da China têm dito que estão abertos ao diálogo respeitoso e em pé de igualdade com os Estados Unidos para solucionar o embate atual, mas, se o país "insistir em continuar a infringir substancialmente os direitos e interesses da China, a China contra-atacará resolutamente e lutará até o fim".
Entenda a seguir alguns dos principais pontos sobre as restrições à exportação dos metais de terras raras por parte da China e os impactos no mercado internacional:
O que são metais e ímãs de terras raras e por que eles são tão importantes?
Os metais de terras raras são um grupo de 17 elementos químicos encontrados na natureza em certa abundância. A "raridade" fica por conta da dificuldade de extração, já que eles ficam misturados a outros minérios. São eles: lantânio, cério, praseodímio, neodímio, promécio, samário, európio, gadolínio, térbio, disprósio, hólmio, érbio, escândio, túlio, itérbio, lutécio e ítrio.
O Jornal da USP, ligado à Universidade de São Paulo, publicou uma reportagem sobre os metais de terras raras em 2021. Na época, pesquisadores falaram sobre uma cadeia produtiva desses metais no Brasil e explicaram sobre a importância deles.
Na ocasião, o professor Fernando Landgraf, da Escola Politécnica da USP, apontou que a China havia investido em toda a cadeia produtiva, desde a extração, separação, produção de ímãs e de veículos elétricos, por exemplo, onde esses ímãs são indispensáveis.
A maior reserva mundial desses metais está justamente na China, com 44 milhões de toneladas - o dobro do Brasil e do Vietnã, que aparecem na sequência, com 22 milhões de toneladas cada.
Qual o papel da China nesse mercado e o que o país decidiu nos últimos dias?
Atualmente, a China é responsável por algo entre 75% e 80% da produção mundial de metais pesados de terras raras e também por 90% da produção de ímãs de terras raras. No dia 4 de abril, o país anunciou restrições à exportação de seis metais pesados de terras raras, além dos ímãs especiais, e não um bloqueio total. Na prática, esses metais só podem ser comercializados para fora do país com licenças especiais de exportação.
Segundo a professora Clarissa Forner, do curso de Relações Internacionais da Universidade São Judas Tadeu (USJT), não há, pelo menos por enquanto, um bloqueio internacional total, e as restrições devem mudar a forma como as empresas chinesas comercializam com outros mercados.
"Essa restrição significa que as empresas possivelmente devam cumprir uma série de medidas para exportar, o que não significa uma proibição, necessariamente, mas estabelece limitações para que as exportações ocorram", explicou. "Isso pode afetar os países com os quais estas empresas comercializam".
Para Lucas Leite, professor de Relações Internacionais da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), o impacto se dá pela demora nas licenças. "Há um novo processo de licenciamento para comercialização, exportação de terras raras. O processo de emissão dessas autorizações é pouco demorado, geralmente leva semanas ou meses", disse.
A questão é que a China só começou a trabalhar agora nessas novas licenças, que devem demorar a sair. Os países que dependem desses suprimentos para utilizar em suas indústrias podem ter os estoques esgotados até lá e precisarão negociar com outros mercados.
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Qual o impacto dessas restrições no mercado internacional?
Esta não é a primeira vez que a China aplica restrições às exportações de metais de terras raras. Em reportagem para o The New York Times, o jornalista Keith Bradsher, especialista na cobertura sobre o assunto, lembra que a China abalou o mundo em 2010 ao anunciar um embargo às exportações de metais de terras raras cruciais para o Japão.
O bloqueio durou apenas sete semanas e obrigou o Japão a traçar um plano para reduzir a dependência da China. Logo, os japoneses colocaram o plano em prática e, hoje, conseguem comprar esses suprimentos da Austrália. Mas os Estados Unidos ainda dependem quase que inteiramente da China, e um eventual bloqueio direcionado ao país tem a capacidade de causar estragos.
"Não é uma medida específica feita para os Estados Unidos, mas, obviamente, como o comércio dos Estados Unidos em relação à China, desse setor específico, é grande, então os Estados Unidos serão mais afetados, e mais que isso, porque os Estados Unidos dependem, na verdade de importação de terras raras", pontuou Lucas Leite, da FAAP.
Clarissa Forner concorda: "Hoje, os EUA não têm condições de tornar-se autossuficientes na produção de metais raros, no curto prazo. Então, uma medida como essa pelo governo chinês, se estendida, certamente traria impactos relevantes".
Para ela, é exagero pensar que as medidas adotadas pela China seriam capazes de paralisar a indústria ocidental, mas reconhece que o impacto seria pesado, principalmente no setor de tecnologia. "No caso dos EUA, isso é bastante importante, considerando que uma das propostas do presidente Donald Trump era justamente recuperar a indústria domesticamente", disse.
Lucas Leite também considera um exagero dizer que a medida chinesa irá paralisar a indústria ocidental. "Vai ter aumento de custos, vai exigir uma negociação, que é o que a China está falando nas entrelinhas. Mas, não sei se chega a paralisar a indústria, até porque existem outros países que exportam terras raras, e o Brasil é um deles", afirmou.
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É verdade que essas exportações são apenas um 'detalhe' para a China?
As postagens analisadas pelo Verifica afirmam que as exportações de terras raras são apenas um "detalhe" para a China, significando que elas representam um porcentual pequeno no comércio do país asiático.
No ano ado, a China exportou 55 toneladas de minerais de terras raras, um aumento de 6% em relação ao ano anterior, segundo reportou a agência Reuters. Esses suprimentos ficaram em 30º lugar entre as principais exportações do país no ano ado.
Esse setor, contudo, é estratégico, já que gigantes da tecnologia e o setor de defesa dependem destes minerais. Clarissa Forner diz que as exportações devem impactar, também, as empresas chinesas que vendem para o exterior. "É notável o fato de que a China tem investido consideravelmente na produção industrial e tecnológica do país nas últimas décadas, o que talvez torne este mercado interno um pouco mais resiliente quando se trata do impacto das tarifas e restrições", disse.
